MOSAICOS DE UMA VIDA

Juntando cada peça forma-se o mosaico de minha vida. Tantos sentimentos me envolvem. Sentimentos ruins, outros bons. Saudade de quem se foi para eternidade. Saudade de quem posso ligar para ouvir a voz. Tristeza pelas metas não cumpridas e alegria pelos objetivos alcançados. Gemidos de dor, outros de prazer.

9 de nov. de 2007

VIAGEM À ESPANHA

No dia 29 de agosto de 2007 fiz uma viagem à Espanha. Estava super ansiosa; aeroporto, check-in, avião... O que me deixava mais apreensiva era a chegada ao aeroporto de Madrid. Sabendo como é a imagem da brasileira no exterior, sentia medo de ser confundida com garota de programa ou mesmo de sofrer preconceito racial.
Simone, uma amiga da faculdade, viajaria comigo. Por motivo de força maior precisou cancelar a passagem. Ao meu lado, no lugar que deveria ser de Simone, viajou um padre. Isso mesmo! Pe. Alexandre. Estava indo fazer mestrado na Europa. Um papo legal.
Percebi que entre os passageiros havia um grupo de quatro pessoas. Eram três mulheres e um travesti. Falavam alto, usavam roupas curtas, decotes, enfim, chamavam muita atenção.

O vôo atrasou mais ou menos uma hora e meia. Para os atrasos que aconteciam na época, com o caos aéreo, até que foi pouco.

Cheguei em Madrid umas dez horas da manhã. Comecei a ficar nervosa. Não via a hora de passar pelo controle de passaporte. Por fim chegou minha vez. Comecei a perceber o quão importante é saber falar outros idiomas. Com alguma dificuldade, entendi o que o policial me perguntou: O que estava indo fazer na Espanha. Falei que faria turismo. Ele me perguntou quanto em dinheiro estava levando e em seguida perguntou se tinha reserva de hotel. Quando respondi que ficaria hospedada na casa de minha irmã, o cara na mesma hora parou os interrogatórios. Segurou meu passaporte e passagem de volta ao Brasil e me mandou sentar para aguardar outra pessoa que me atenderia.

Pensei: Serei deportada! Meus planos, o dinheiro gasto, a humilhação, decepção. Medo de ser tratada como qualquer uma. Quantas coisas passaram na minha cabeça! Perguntei se tinha como entrar em contato com minha irmã que aguardava do lado de fora. A resposta foi um não.

Bom, não tinha mais o que fazer. Precisava aguardar. Estava num lugar onde não conhecia ninguém, não falava o idioma, um salão enorme, cheio de cadeiras e apenas eu ali. O grupo de amigas que estava no avião, acabei perdendo de vista.

Comecei a ler o livro Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire; deste tenho algumas coisas em comum: ser educadora, brasileira, pernambucana, recifense. Freire, através do livro conseguiu amenizar minha angústia.

A leitura foi interrompida pelo policial que me deixou de castigo. Até bonitinho, o desgraçado, mas não me deixou seguir em paz. Ele veio perguntar se eu queria água ou ir ao banheiro. Agradeci, mas não aceitei. Também porque num momento daquele eu ficaria até de jejum. Como ele já havia atrapalhado meu momento “freiriano”, aproveitei e perguntei por que estava demorando tanto. Neste momento me chamou numa sala. Pensei: Ele vai me mostrar à sala onde ficarei presa. Deve ser feito hotel que a gente tem que esperar liberar o apartamento.

O policial bonitinho só queria me mostrar à sala do todo-poderoso que iria me atender. Ele falou que poderia chegar em cinco minutos, como poderia ser em duas horas.

A sala do homem era linda. Com textura azul e branca, minhas cores preferidas. Da metade da parede pra baixo era uma madeira texturizada. Fiquei olhando os detalhes para quando voltar ao Brasil fazer igual na minha casa. Neste momento mudei de idéia. Como poderia decorar minha casa igual ao local da minha prisão? Cai na real e voltei a sentar no salão vazio. Qualquer pio fazia um eco. Retornei ao livro. Era melhor ler sobre as idéias transformadoras de Freire do que imaginar a transformação que poderia acontecer na minha vida a partir daquele dia.

Duas horas depois do meu desembarque, ouço uma voz máscula chamando meu nome, com um sotaque diferente do meu, claro. Nem assim o nome Fátima soou belo. Era o infeliz do policial todo-poderoso. Ai que vontade de dizer: Odeio esperar! Chegou todo sorridente já com meu passaporte na mão.

Segui até a sala com textura azul e branca. Ele me perguntou:
- Ficará na casa de sua irmã?
- SIM.
- Você tem o endereço de onde ela mora e trabalha?
- SIM. Respondi entregando um e-mail que minha irmã me passou.

Ao ler ele falou em voz alta:

- HALCON VIAJES (nome da agência de viagem onde ela trabalha) e seguiu pra outra sala, pedindo que aguardasse.

Lógico que em pensamento só não o chamei de arroz-doce. Achou pouco o tempo que fiquei de castigo. Ele foi se distanciando por um corredor e eu o olhando e cantando em pensamento: “Nao se vá. Não me abandone, por favor, pois sem você vou ficar louca. É a insegurança que está me deprimindo pouco a pouco” (Adaptada por mim sem autorização de Jane&Erondi).

Neste intervalo passou por mim uma moça, parecia brasileira, aparentando uns 25 anos. Estava ladeada por dois policiais. Passaram muito rápidos por dentro da sala que eu estava e abriram uma porta que dava para um estacionamento. Vi que tinha uns carros da polícia. Isso foi tudo que vi. A porta foi fechada. Comecei a sentir um aperto no peito, um nó na garganta. O que poderia está acontecendo com aquela moça? Para onde estavam levando-a?

Do final do corregor vem o todo poderoso em minha direção. Chegou perto de mim, entregou meu passaporte dizendo: BEM VINDA A MADRID!!!!!!!!!!!!!!! Ufa!

Voltei para o policial bonitinho e entreguei meu passaporte carimbado, por um superior a ele. Olhou, deu um sorriso amarelo e me mostrou onde deveria pegar minhas malas. Pelo tempo do castigo as malas não estavam mais na esteira e sim guardadas.

Mais uma vez minha imaginação fértil disse: Ta vendo tu, bobão? Passei!
No local onde estavam minhas malas havia uma fila. Mais um tempo de espera. Foi uma experiência pela qual passaram-me vários sentimentos, me fazendo lembrar do livro Em Busca do Sentido. Medo, desamparo, angústica, foram sentidos da porta de desembarque para dentro do aeroporto, porque dali para fora encontrei minha irmã, cunhado e sobrinha para também me darem boas vindas.